Estudo revela 547 mil casos de esquizofrenia no Brasil e aponta impacto da desigualdade

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Um levantamento com base na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019 estima que 547.202 brasileiros adultos convivem com esquizofrenia, o equivalente a 0,34% da população com 18 anos ou mais. O estudo foi conduzido por acadêmicos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Paraná (UFPR) e reúne a maior amostra já utilizada para traçar a prevalência da doença no país.

Maior amostra nacional já analisada

Os investigadores analisaram dados de 91 mil participantes da PNS, inquérito domiciliar realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o IBGE. Até então, apenas estudos regionais avaliavam a ocorrência da esquizofrenia, sem abrangência nacional. Segundo os autores Ary Gadelha, vice-chefe do Departamento de Psiquiatria da Unifesp, e Raffael Massuda, professor da UFPR, a base robusta oferece retrato inédito da distribuição da doença no Brasil.

A pesquisa identifica uma associação clara entre esquizofrenia e vulnerabilidade socioeconómica. A maioria dos casos recai sobre homens entre 40 e 59 anos, de baixa renda, baixa escolaridade, residentes em áreas urbanas, desempregados e que vivem sozinhos. Dos entrevistados com diagnóstico:

  • 54,8% são analfabetos ou não concluíram o ensino fundamental;
  • apenas 10,5% completaram o ensino superior;
  • 82,2% não possuem emprego com carteira assinada.

Os autores alertam que o total de 0,34% pode estar subestimado em aproximadamente 30%, pois a PNS não inclui pessoas em situação de rua nem indivíduos institucionalizados, grupos onde a prevalência tende a ser maior.

Consequências sociais e desafios de tratamento

De acordo com a literatura médica, a esquizofrenia reduz a expectativa de vida em até 15 anos e costuma surgir no fim da adolescência. O impacto estende-se às famílias, já que a condição é crónica e exige cuidados contínuos. Gadelha destaca que, se considerado o núcleo familiar imediato, milhões de brasileiros são afetados direta ou indiretamente.

O estudo reforça a relação entre grandes centros urbanos e fatores de risco, como infecções perinatais, exposição à violência e uso de substâncias psicoativas durante a adolescência. Esses elementos, somados à predisposição genética, aumentam a probabilidade de manifestação da doença.

A vulnerabilidade social aparece como elemento central. A teoria da “causa social” sugere que condições adversas — pobreza, baixa escolaridade e maus serviços públicos — elevam o risco de adoecer. Já a hipótese do “social drift” aponta que o próprio curso da doença pode empurrar a pessoa para patamares socioeconómicos mais baixos, ao dificultar estudo, trabalho e estabilidade financeira. Para os pesquisadores, as duas dinâmicas estão presentes no Brasil.

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Imagem: Internet

Recomendações para políticas públicas

Os responsáveis pelo levantamento defendem políticas intersetoriais que articulem saúde, assistência social, educação e mercado de trabalho. Entre as propostas estão:

  • ampliar o acesso a medicamentos e serviços de saúde mental no Sistema Único de Saúde (SUS);
  • criar programas de reinserção laboral adaptados ao perfil dos pacientes;
  • estabelecer ações de combate ao estigma, estimulando redes de apoio e convivência.

Para Massuda, é possível levar uma vida produtiva com esquizofrenia, desde que haja tratamento adequado, ambiente familiar favorável e oportunidades de formação. Ensaios clínicos e projetos-piloto que validem modelos de intervenção integrada estão entre as próximas etapas sugeridas pelos cientistas, que pretendem apresentar os resultados ao Ministério da Saúde.

O que é a esquizofrenia

A esquizofrenia é um transtorno mental que altera pensamentos, emoções e comportamento. Costuma surgir no final da adolescência ou início da vida adulta — mais cedo e com maior gravidade em homens, mais tarde e de forma branda em mulheres. Não há cura, mas medicamentos que regulam a dopamina ajudam a controlar sintomas como delírios, alucinações e desorganização do pensamento. O SUS oferece tratamento gratuito.

A doença resulta da interação entre predisposição genética e fatores ambientais, incluindo complicações obstétricas, infecções perinatais, uso problemático de drogas e situações de estresse intenso. Nenhum desses fatores, isoladamente, causa esquizofrenia; o risco aumenta quando ocorrem em indivíduos geneticamente suscetíveis.

Os autores esperam que o retrato nacional forneça evidências para o desenho de políticas que reduzam a desigualdade e melhorem a qualidade de vida das pessoas com esquizofrenia no país.

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