O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) padronizou em todo o país a chamada autocuratela, instrumento que concede a qualquer cidadão a possibilidade de escolher, ainda em plena capacidade, quem o representará em decisões de saúde, finanças e administração de bens caso perca a aptidão civil no futuro. O provimento foi publicado em outubro e incluiu o ato entre os serviços reconhecidos nacionalmente pelos cartórios.
O que muda com a padronização
Com a nova regra, juízes passam a ter de consultar a base da Central Notarial de Serviços Compartilhados (Censec) antes de nomear um curador em processos de interdição. Se houver uma autocuratela registada, a vontade antecipada da pessoa deverá ser considerada. A medida reforça a autonomia de idosos, pessoas com deficiência ou portadores de doenças crónicas que possam evoluir para perda de capacidade.
Embora o documento oriente a decisão judicial, ele não elimina etapas legais. O Ministério Público continua a avaliar o caso, e o magistrado pode rejeitar o curador indicado se identificar incompatibilidade, impedimento ou risco à pessoa interditada. Ainda assim, a autocuratela comporta peso jurídico relevante, pois expressa de forma explícita a preferência de quem será sujeito à curatela.
Tradicionalmente, o Código Civil define uma ordem para escolha do curador: primeiro cônjuge ou companheiro, depois pais e, em seguida, descendentes. A autocuratela não revoga essa hierarquia, mas acrescenta um elemento novo: a manifestação prévia da própria pessoa, que agora deve ser verificada antes de qualquer nomeação.
Como funciona a autocuratela
A autocuratela é formalizada por escritura pública num cartório de notas ou na plataforma digital E-Notariado. O declarante precisa estar lúcido e plenamente capaz no momento da assinatura. No documento, pode indicar um ou mais curadores, estabelecer ordem de preferência e designar substitutos para eventuais impedimentos.
Depois de lavrada, a escritura é registada na Censec. O conteúdo integral permanece sob sigilo, acessível apenas ao declarante e ao Poder Judiciário quando houver processo de interdição. O tabelião deve verificar se a declaração foi feita de forma espontânea e sem influência externa.
O ato não exige testemunhas nem laudo médico, mas o tabelião pode solicitar documentos que comprovem a identidade e a capacidade do declarante. Caso opte pelo atendimento virtual, a plataforma E-Notariado utiliza videoconferência para validar a vontade da pessoa.
Quem pode se beneficiar
O instrumento é indicado para idosos, indivíduos com deficiências progressivas, pessoas com doenças que possam comprometer a comunicação ou o discernimento e qualquer cidadão que deseje evitar conflitos familiares na administração de seu património. Ao antecipar a escolha do curador, o declarante reduz o risco de disputas judiciais e garante que alguém de confiança conduza decisões sensíveis.
Imagem: Internet
A autocuratela pode ser revista ou revogada enquanto o autor estiver em plena capacidade. Basta solicitar uma nova escritura para atualizar as informações. Caso o curador nomeado venha a falecer, tornar-se incapaz ou seja considerado inapto pelo juiz, entram em cena os substitutos definidos no documento ou a ordem legal prevista no Código Civil.
Etapas para registrar
1. Procurar um cartório de notas ou aceder à plataforma E-Notariado.
2. Apresentar documento de identificação oficial e, se solicitado, comprovante de lucidez, como atestado médico recente.
3. Indicar o(s) curador(es), ordem de preferência e possíveis substitutos.
4. Confirmar a declaração em ambiente presencial ou por videoconferência.
5. Assinar a escritura e autorizar o registo na Censec.
Os custos seguem a tabela de emolumentos de cada estado. Em casos de hipossuficiência, é possível requerer gratuidade, desde que se comprove a condição perante o cartório.
Impacto para o Poder Judiciário
Ao tornar obrigatória a consulta à base notarial, o CNJ busca reduzir disputas sobre quem deve exercer a curatela, agilizando decisões e diminuindo a probabilidade de nomeações provisórias que acabam contestadas. O órgão também pretende uniformizar o entendimento sobre o tema, evitando interpretações divergentes entre tribunais.
Segundo especialistas em direito de família, a padronização reforça princípios constitucionais de dignidade e liberdade, pois coloca a vontade da pessoa vulnerável no centro do processo. Para os cartórios, a medida amplia o leque de serviços eletrónicos e aproxima a prática notarial das necessidades de uma população cada vez mais envelhecida.
Com o provimento já em vigor, cidadãos interessados podem buscar orientação jurídica ou diretamente o cartório para formalizar a autocuratela, garantindo que decisões cruciais sobre saúde e património respeitem a sua vontade mesmo em eventual perda de capacidade.





