Uma ofensiva coordenada pela Procuradoria Federal de Crimes Cibernéticos de San Isidro, na província de Buenos Aires, resultou na interrupção de 22 plataformas de IPTV pirata que operavam em vários países da América Latina. Entre os serviços afetados estão o BTV e o Red Play, dois dos sistemas de “gatonet” mais populares no Brasil.
Estrutura internacional do esquema
De acordo com documentos obtidos pelos investigadores, o centro de comando comercial da rede funcionava em Buenos Aires. O escritório argentino respondia pelas áreas de marketing e vendas, enquanto as atividades de administração, finanças e tecnologia ficavam na China. Essa divisão permitia que a organização explorasse mão de obra técnica qualificada a custos relativamente baixos, fator apontado pelo presidente da Alianza — entidade que reúne players da indústria audiovisual na América Latina — como uma das razões para a escolha da capital argentina.
A operação também contou com o apoio da Liga de Futebol Profissional da Espanha (La Liga) e da própria Alianza. Juntas, as instituições vêm monitorando fluxos de dados e transações que ligam as caixas de TV pirata a endereços IP distribuídos em diferentes continentes.
Cronologia da investigação
A ofensiva argentina começou em 28 de agosto, quando mandados de busca e apreensão foram cumpridos em centrais de distribuição de sinal. Na sequência, duas ondas de derrubadas ocorreram:
1.º e 3 de novembro – primeira fase de bloqueios, que retirou do ar plataformas como MyFamilyCinema, Cinefly e Eppi Cinema;
29 e 30 de novembro – segunda fase, responsável por inativar BTV, Red Play, Cine Duo e outras.
Ao todo, 22 serviços foram desativados: ALA TV, Blue TV, Boto TV, Break TV, BTV App, BTV Live, Duna TV, Football Zone, Hot, Mega TV, MIX, NOSSA TV, ONPix, PLUSTV, Pulse TV, Red Box, RedPlay Live, Super TV Premium, Venga TV, Waka TV, WEIV e WeivTV – Nova.
Alcance e impacto no Brasil
Relatório da força-tarefa indica que a rede de pirataria atendia aproximadamente 6,2 milhões de assinantes em todo o mundo, dos quais 4,6 milhões no Brasil. Estima-se que o grupo movimentasse entre US$ 150 milhões e US$ 200 milhões por ano — valores que, convertidos, chegam a cerca de R$ 1 bilhão.
Embora as autoridades não tenham detalhado quantos brasileiros foram afetados nos últimos bloqueios, a Alianza confirma que BTV e Red Play lideravam o mercado ilegal local. O BTV, por exemplo, ganhou o apelido de “iPhone das TV boxes” em pontos de venda informais devido ao preço elevado em comparação a outros dispositivos.
Imagem: Tecnologia & Inovação
Como funcionam as TV boxes não homologadas
Os equipamentos apreendidos utilizam uma versão modificada do Android para executar aplicações que dão acesso a canais de TV por assinatura, filmes e eventos esportivos mediante pagamento de taxas mensais, semestrais ou anuais. Por se tratar de serviços cobrados, muitos consumidores acreditam estar diante de produtos legítimos e, em alguns casos, registram reclamações em plataformas de defesa do consumidor ou na própria Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
As caixas de TV pirata não passam pelos testes de segurança e compatibilidade exigidos pela Anatel. A agência mantém um banco de dados público com modelos homologados, que recebem selo e número de certificação. Equipamentos fora dessa lista podem apresentar falhas elétricas, riscos de incêndio e vulnerabilidades de software.
Dificuldade em barrar o “gatonet”
Mesmo com as derrubadas, especialistas alertam que grupos envolvidos na distribuição de sinal pirateado costumam recuperar o serviço rapidamente. A prática mais comum é atualizar remotamente as TV boxes para redirecionar o tráfego a novos servidores, processo que dificulta o bloqueio permanente.
Além disso, a pulverização de servidores e o uso de redes privadas virtuais criam barreiras técnicas à atuação das autoridades. Por esse motivo, os investigadores têm concentrado esforços na identificação de núcleos administrativos e financeiros, como o que operava em Buenos Aires, visando desarticular a gestão central das plataformas.
Segundo a Procuradoria argentina, novas etapas da investigação não estão descartadas. A cooperação internacional permanece ativa, e outros países da região podem intensificar ações semelhantes contra provedores ilegais de conteúdo audiovisual.





