Um grupo internacional de universidades apresentou um estudo que descreve a produção de “biocimento” a partir do próprio solo de Marte como alternativa para erguer estruturas no planeta vermelho. O trabalho defende que a técnica de biomineralização pode eliminar a necessidade de transportar grandes quantidades de material da Terra, reduzindo custos e simplificando a logística de futuras missões tripuladas.
Microrganismos transformam rególito em cimento
A proposta baseia-se no uso de microrganismos capazes de converter substâncias presentes no rególito marciano em minerais que se consolidam e formam um compósito resistente. Segundo a análise, o solo de Marte contém óxidos de silício, alumínio e ferro em proporções próximas às encontradas em cimentos convencionais. A quantidade de cálcio é menor do que a disponível na Terra, mas os autores indicam rotas de biomineralização ajustadas para compensar essa limitação.
De acordo com o estudo, o processo ocorre em três etapas: preparação do solo, inoculação de microrganismos específicos e controle de condições ambientais para induzir a precipitação mineral. A interação entre os micro-organismos e os grãos do rególito gera um material que endurece sem exigir altas temperaturas ou aditivos importados, característica considerada essencial para operações em Marte, onde a energia é recurso crítico.
Os testes laboratoriais realizados em amostras de solo que simulam a composição marciana demonstraram que o biocimento atinge níveis de resistência compatíveis com os requisitos de construção de habitações pressurizadas e barreiras contra radiação. Os investigadores acrescentam que a abordagem permite produzir blocos modulares ou aplicar o material diretamente em moldes, oferecendo flexibilidade no desenho arquitetônico.
Automação pode acelerar a construção
Para viabilizar o método em larga escala, o artigo destaca a integração de robôs equipados com sistemas de impressão 3D ou extrusão. Esses dispositivos seriam programados para coletar o rególito, misturá-lo aos microrganismos e depositar camadas sucessivas do biocimento, formando paredes, cúpulas ou componentes de infraestrutura. A automação reduziria a exposição de astronautas a radiação e a condições extremas, além de permitir a produção de estruturas antes da chegada de tripulações humanas.
Os autores apontam ainda que o processo é energeticamente eficiente em comparação com técnicas baseadas em sinterização de solo ou transporte de materiais. A biomineralização requer temperaturas moderadas e pode aproveitar fontes renováveis disponíveis localmente, como energia solar, para manter os reatores biológicos ativos.
Outra vantagem ressaltada é a sustentabilidade. Como toda a matéria-prima vem do próprio planeta, o impacto ambiental é mínimo e o ciclo de suprimentos torna-se independente de foguetes de reabastecimento. A longo prazo, isso pode viabilizar a expansão de colônias, estradas e suportes estruturais sem depender do envio contínuo de carga terrestre.
Imagem: Tecnologia e Inovação
Desafios sob investigação
Apesar do potencial, o estudo permanece em fase teórica e experimental. Fatores como radiação intensa, variações bruscas de temperatura e baixa pressão atmosférica podem afetar a sobrevivência dos microrganismos responsáveis pela biomineralização. Os investigadores observam que ainda não existem ensaios em condições totalmente análogas às de Marte para validar a eficiência do biocimento.
Outro ponto em aberto envolve a manutenção da atividade biológica em gravidade reduzida. Experiências anteriores com bactérias no espaço mostram mudanças no crescimento e no metabolismo em microgravidade, mas não há dados conclusivos sobre o desempenho dos microrganismos selecionados para produzir biocimento em 38% da gravidade terrestre.
Para avançar, as equipas de investigação recomendam testes em câmaras que simulem a atmosfera marciana, bem como em plataformas orbitais. O desenvolvimento de reatores selados, capazes de regular umidade e nutrientes, também é citado como etapa crítica antes da aplicação in situ.
Perspectivas para missões futuras
Se comprovada, a tecnologia de biocimento pode oferecer uma rota prática para construir abrigos pressurizados, depósitos de combustível e escudos contra radiação em Marte. A possibilidade de fabricar elementos estruturais com recursos locais atenderia a um dos principais requisitos de colonização: reduzir a massa total de lançamentos da Terra.
O estudo indica que a biomineralização, aliada à robótica autônoma, pode estabelecer os primeiros blocos de uma infraestrutura marciana sustentável. Os autores concluem que, embora desafios permaneçam, a pesquisa abre caminho para estratégias de construção que aproveitam a biologia como ferramenta de engenharia fora do planeta.





