A direção dos Correios cancelou o pagamento do chamado “vale-peru” a partir de 2025 e prorrogou o acordo coletivo de trabalho apenas até 15 de dezembro deste ano. A decisão soma-se a uma série de medidas adotadas pela estatal para conter perdas financeiras que já somam R$ 6,1 bilhões entre janeiro e setembro de 2024.
Benefício cancelado e tensão sindical
O crédito extra de fim de ano, no valor de R$ 2.500 por empregado, foi pago em 2024 em duas parcelas e custou cerca de R$ 200 milhões ao caixa da empresa. A cláusula que previa o benefício foi retirada da prorrogação do acordo coletivo, comunicada oficialmente ao corpo funcional. Segundo a companhia, todo o valor referente a 2024 já foi quitado dentro do prazo.
A exclusão do vale-peru ocorreu em meio à falta de consenso sobre um novo acordo para 2025-2026. O documento anterior expirou em 31 de julho e vem sendo estendido consecutivamente, sem previsão de reajuste salarial. Diante do impasse, o sindicato que representa os trabalhadores em São Paulo, Grande São Paulo e Sorocaba aprovou indicativo de greve para 16 de dezembro, a partir das 22h.
Reestruturação depende de crédito de R$ 20 bilhões
Para equilibrar contas até 2026, os Correios estimam a necessidade de R$ 20 bilhões. O montante cobriria regularização de dívidas, novo programa de demissão voluntária para pelo menos 10 mil empregados, revisão de cargos, salários e do plano de saúde.
O conselho de administração já aprovou a contratação de um empréstimo negociado com Banco do Brasil, BTG Pactual, Citibank, ABC Brasil e Safra. A operação, porém, exige garantia do Tesouro Nacional. O Ministério da Fazenda recusou concedê-la porque a taxa proposta, próxima a 136% do CDI (cerca de 20% ao ano), ultrapassa o teto de 120% do CDI fixado para operações semelhantes com prazo de dez anos.
Desde a recusa, anunciada em 2 de julho, a estatal busca condições mais favoráveis junto às instituições financeiras. Sem o financiamento, projeções internas apontam que o prejuízo anual pode chegar a R$ 10 bilhões em 2024 e alcançar R$ 20 bilhões em 2026. Num cenário extremo, o déficit poderia atingir R$ 70 bilhões em cinco anos, colocando a empresa em risco de insolvência.
Fatores que ampliaram a crise
Diversas frentes de pressão contribuem para o desequilíbrio observado desde 2022:
Concorrência direta – O fim do monopólio no transporte de encomendas, em 2009, abriu espaço para operadores privados, reduzindo o volume de serviços mais rentáveis.
“Taxa das blusinhas” – A aplicação de impostos sobre importações de até US$ 50 diminuiu o fluxo de encomendas internacionais, segmento que antes gerava receita adicional para a estatal.
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Despesas trabalhistas – Em 2024, mesmo com indicadores negativos, foi concedido reajuste linear de 4,11% a mais de 55 mil empregados, além do retorno de benefícios como adicional de 70% sobre férias. A empresa também realizou concurso para três mil vagas, cujos aprovados ainda aguardam convocação.
Uso de caixa próprio – Investimentos em veículos elétricos e tecnologia foram efetuados num momento de restrição financeira, gerando nova pressão sobre o fluxo de caixa.
Plano de saúde – A companhia continua como mantenedora integral do sistema de assistência médica, arcando com todos os riscos. Tentativas de transição para modelo de copatrocínio, menos oneroso, foram revertidas.
Contencioso judicial – Falta de controle sobre ações trabalhistas e demais litígios levou a provisões expressivas e ressalvas de auditoria, aumentando as despesas com precatórios.
Próximos passos
A obtenção do empréstimo é considerada crucial para a continuidade das operações e para evitar atrasos a fornecedores. Os Correios mantêm negociações com bancos na tentativa de reduzir o custo da operação ao patamar aceito pelo Tesouro. Paralelamente, o indicativo de greve previsto para meados de dezembro coloca pressão adicional sobre a gestão da empresa numa fase crítica de caixa.
Enquanto não avança no financiamento, a estatal prossegue com medidas de contenção de gastos, entre elas a suspensão de benefícios não obrigatórios, como o vale-peru, e a revisão de despesas operacionais. O resultado das negociações deverá influenciar diretamente o ritmo do plano de reestruturação e a capacidade de enfrentar a concorrência no mercado de logística e encomendas.





