O Supremo Tribunal Federal (STF) volta a analisar, na próxima quarta-feira (10), a legalidade do chamado marco temporal para demarcação de terras indígenas. A sessão será dedicada exclusivamente às sustentações orais de representantes dos interessados; não haverá votação dos ministros nessa data.
Sessão reúne argumentos de defensores e críticos
A discussão em plenário ocorre após decisões contraditórias em 2023. Naquele ano, o STF considerou inconstitucional a tese segundo a qual povos indígenas só teriam direito a áreas ocupadas ou em litígio em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. Apesar desse entendimento, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que restabeleceu o critério temporal, dispositivo posteriormente vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O veto, porém, foi derrubado por deputados e senadores, reacendendo a controvérsia.
Com a derrubada do veto, partidos como PL, PP e Republicanos acionaram o Supremo para garantir a validade da nova legislação. Em sentido oposto, entidades indígenas e siglas da base governista recorreram novamente à Corte, pedindo a confirmação da inconstitucionalidade do marco temporal.
No julgamento de quarta-feira, advogados de todas as partes apresentarão seus argumentos. A presença dos 11 ministros é esperada, mas o calendário para a definição do voto e a conclusão do processo será anunciado apenas depois das sustentações.
Comissão de conciliação não chegou a consenso
Antes de retomar o processo, o STF instituiu uma comissão de conciliação conduzida pelo ministro Gilmar Mendes, relator das ações. A iniciativa buscou um acordo que reduzisse conflitos entre organizações indígenas, governo federal, Congresso e entes federativos. Entre agosto de 2023 e junho deste ano, o grupo promoveu encontros com representantes do Senado, da Câmara, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e de administrações estaduais e municipais.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) abandonou a mesa de negociações logo no início, alegando falta de paridade no debate. Mesmo sem a participação da principal organização indígena, a comissão concluiu uma minuta de anteprojeto que sugere mudanças pontuais na Lei 14.701/2023, texto que incluiu o marco temporal. O documento propõe, entre outros pontos, que o procedimento de demarcação realizado pela Funai seja totalmente público e que estados e municípios participem formalmente do processo. Também há previsão para atividades turísticas em terras indígenas mediante autorização das comunidades.
Apesar dos avanços em medidas consideradas consensuais, a questão central — a validade ou não do marco temporal — permaneceu fora do acordo. O tema será decidido exclusivamente pelo plenário do Supremo.
Entenda o que está em jogo
O marco temporal estabelece que apenas terras ocupadas ou litigadas por indígenas em 5 de outubro de 1988 podem ser regularizadas. Defensores da regra afirmam que ela proporciona segurança jurídica a produtores rurais e evita disputas prolongadas. Organizações indígenas e entidades de direitos humanos argumentam que muitos povos foram expulsos de seus territórios antes da data referida, o que inviabilizaria o reconhecimento de áreas historicamente ocupadas.
Imagem: Ultimas Notícias
Segundo a Funai, existem hoje dezenas de processos de demarcação pendentes que podem ser impactados pelo resultado. A decisão também repercute na política ambiental, pois grande parte das terras indígenas coincide com áreas de preservação da Amazônia e de outros biomas.
Para além dos efeitos diretos sobre comunidades indígenas, o julgamento influencia investigações sobre invasões de terras, concessões de licenças para exploração econômica e execução de políticas públicas em áreas protegidas.
Próximos passos
Concluídas as sustentações orais, o relator apresentará seu voto. Em seguida, cada ministro terá oportunidade de manifestar posição. Não há previsão oficial para a data dessa fase, mas a expectativa é que seja marcada nas próximas semanas, pois a ação tramita em regime de repercussão geral — decisão que deverá orientar tribunais de todo o país em casos semelhantes.
Se a maioria confirmar a inconstitucionalidade do marco temporal, o Congresso poderá discutir novo texto para regulamentar a demarcação, desde que respeite os parâmetros estabelecidos pelo STF. Caso a Corte valide o critério, organizações indígenas poderão buscar mudanças legislativas ou recorrer a organismos internacionais.
Até a conclusão do julgamento, as demarcações permanecem sob o impasse judicial, e novos processos tendem a ficar suspensos. O resultado terá impacto direto na pauta fundiária, na preservação ambiental e nos direitos dos povos indígenas em todo o território nacional.





