Uma equipa multidisciplinar de 11 universidades brasileiras desenvolveu um reator capaz de gerar hidrogénio sem emissões de carbono, utilizando apenas luz solar, água e materiais amplamente disponíveis no país. O projecto, conduzido pelo Centro de Inovação em Novas Energias (CINE), apresenta um avanço significativo na produção do chamado hidrogénio verde, considerado estratégico para descarbonizar sectores industriais e de transporte.
Como funciona o novo reator
O equipamento é um fotoeletrolisador, dispositivo que separa a molécula de água em oxigénio e hidrogénio por meio de reacções eletroquímicas activadas directamente pela luz solar. Diferente dos electrolisadores tradicionais, que exigem ligação a uma fonte eléctrica externa, o protótipo nacional é energeticamente autónomo graças a dois componentes fundamentais: o fotoânodo e o fotocátodo. Estes eléctrodos absorvem radiação, geram cargas eléctricas e conduzem as reacções de oxidação e redução necessárias para libertar o hidrogénio.
Actualmente, a equipa concentrou esforços no fotoânodo, parte responsável por captar a luz e iniciar o processo. A meta é substituir a reforma de metano, largamente utilizada na produção comercial de hidrogénio e associada a elevadas emissões de dióxido de carbono, por uma rota renovável, limpa e viável em larga escala.
Hematita optimizada garante eficiência e estabilidade
O principal desafio técnico estava na criação de fotoânodos que combinassem rendimento elevado, durabilidade e baixo custo. Para superar o obstáculo, os investigadores recorreram à hematita, óxido de ferro abundante no Brasil e conhecido pela resistência à corrosão em meio aquoso. A inovação consistiu em adicionar pequenas quantidades de óxidos de alumínio e zircónio, também disponíveis no mercado nacional, o que aumentou a eficiência do material sem comprometer a sua estabilidade química.
Com o método desenvolvido, o grupo fabricou 100 fotoânodos idênticos em ambiente de laboratório, demonstrando reprodutibilidade e potencial de escalonamento industrial. Dez unidades foram agrupadas para formar um fotoeletrolisador, e dez desses dispositivos compuseram um módulo de um metro quadrado, estrutura considerada adequada para ensaios de desempenho continuado.
Resultados em laboratório e testes ao ar livre
No simulador de luz solar, o sistema manteve operação estável por 120 horas consecutivas, período suficiente para avaliar degradação dos materiais e flutuações de eficiência. Em teste complementar, um protótipo com dois fotoeletrolisadores foi exposto em ambiente externo e apresentou resultados equivalentes, confirmando robustez mecânica e resistência a variações de temperatura e radiação.
Imagem: NewsUp Brasil (3)
Segundo o professor Flávio de Souza, que lidera o estudo, o desempenho alcançado representa “um passo adicional depois de termos obtido, há dois anos, um aumento de 50% na eficiência da produção de hidrogénio”. O próximo objectivo é desenvolver um fotocátodo capaz de operar sob as mesmas condições de luz directa, viabilizando um sistema totalmente alimentado por energia solar.
Aplicações industriais e próximos passos
O carácter modular do fotoeletrolisador permite ajustar dimensão e capacidade conforme a necessidade de cada utilizador. Indústrias que consomem hidrogénio em etapas específicas dos seus processos, como refinarias, siderurgias ou fabricantes de fertilizantes, poderiam instalar unidades próximas ao ponto de consumo, reduzindo custos de transporte e risco de fugas.
A equipa trabalha agora na optimização dos parâmetros de deposição dos materiais para acelerar a produção em escala piloto. Estudos adicionais incluem análise de custo total de propriedade, avaliação de impacto ambiental e integração com sistemas de armazenamento de energia. Uma vez concluído o desenvolvimento do fotocátodo, os investigadores planeiam construir um módulo inteiramente operado por irradiação solar, eliminando qualquer dependência de fontes externas de electricidade.
O avanço do CINE reforça a posição do Brasil no cenário internacional de energias renováveis, aproveitando recursos naturais abundantes e domínio de técnicas metalúrgicas locais. Se os próximos passos confirmarem a viabilidade económica, o país poderá oferecer uma solução competitiva para a transição energética global, baseada em hidrogénio produzido apenas com luz e água.





