São Paulo — A B3 definiu 2026 como o ano em que um dos seus sistemas centrais passará a operar exclusivamente em tecnologia de registro distribuído, base do bitcoin e de outras criptomoedas. A mudança faz parte de um programa de modernização que inclui migração para nuvem, redução de latência e novas plataformas para negócios de balcão e renda variável.
Meta é suportar mais volume e negociar 24/7
Responsável por registrar ações, títulos e liquidação de operações, a bolsa brasileira prepara-se para um cenário de maior volume e para a eventual adoção de negociações ininterruptas. Segundo o vice-presidente de tecnologia, Rodrigo Nardoni, a infraestrutura precisa estar pronta para um mercado que “eventualmente não abre nem fecha”, alinhado ao modelo do universo cripto.
O executivo relata que a experiência do investidor mudou. Se por um lado o Ibovespa bateu recordes ao superar 158 mil pontos, por outro o volume financeiro não acompanhou a marca. A B3 quer estar preparada quando esse movimento ocorrer, sem depender de interrupções de serviço ou de janelas de atualização.
Nardoni acrescenta que a modernização também mira a convergência entre ativos tradicionais e tokenizados. A expectativa é viabilizar, por exemplo, liquidação em moedas digitais emitidas por bancos centrais ou a tokenização de imóveis em rede distribuída. “Quero ter uma infraestrutura pronta para responder a todas as possibilidades”, afirma.
Três frentes: negociação, clearing e depositária
Na área de negociação, que recebe e registra ordens de compra e venda, a B3 simplificou a infraestrutura e iniciou a migração para nuvem. O objetivo é escalar capacidade sob demanda e reduzir latência. Em 2023, o tempo de resposta caiu de 1,2 milissegundo para 250 microssegundos. A meta global é chegar a 150 microssegundos, patamar comparável a bolsas como CME Group e Eurex.
A clearing, responsável por casar operações e garantir que obrigações sejam cumpridas, está sendo redesenhada em arquitetura de microsserviços nativa em nuvem. A primeira entrega foi o módulo de gestão de risco. A estratégia é trocar gradualmente os componentes, sem impacto para corretoras, bancos e demais participantes.
O passo mais ousado ocorre na central depositária de renda variável, onde as ações ficam registradas. Em parceria com a sueca Vermiculus, a B3 replicou em janeiro as funções atuais em uma rede de Distributed Ledger Technology (DLT). A fase dois prevê que, em 2026, o DLT assuma o processamento principal, enquanto o sistema antigo será mantido apenas como backup. Na etapa final, ainda sem data, a plataforma anterior será desativada.
Negócios de balcão ganham novas plataformas
Além do mercado à vista, a B3 reformula operações de balcão, onde circulam ativos como títulos públicos, CDBs e debêntures. A Trademate, plataforma já utilizada para LCDs, passará a receber CCBs. Paralelamente, um sistema inédito está em construção para demais negociações fora de bolsa. O nome definitivo ainda não foi definido.
Imagem: Tecnologia & Inovação
A iniciativa busca atender perfis distintos de clientes. Bancos tradicionais preferem processamento em lote, enquanto fintechs e “nativos digitais” exigem registro evento a evento. A B3 pretende oferecer ambas as modalidades, reduzindo fricções e preservando liquidez.
Parceiros de tecnologia e uso de IA
A modernização conta com acordos técnicos com Oracle e Microsoft para infraestrutura em nuvem e bancos de dados, além da já mencionada Vermiculus para o módulo em DLT. O investimento mira não só ganhos de performance, mas também compatibilidade com padrões internacionais de cibersegurança e resiliência operacional.
Quanto à inteligência artificial generativa, Nardoni adota postura cautelosa em sistemas críticos, pois os resultados são probabilísticos e não toleram falhas. Mesmo assim, a B3 desenvolve aplicações internas, como um chatbot para corretoras. Inicialmente focado em consultas, o assistente deverá evoluir para executar comandos operacionais, automatizando tarefas de reconciliação de ordens.
Competitividade global e futuro da tokenização
Ao alinhar-se a níveis internacionais de latência e adotar blockchain em produção, a bolsa quer reter investidores institucionais de alta frequência que poderiam migrar para mercados mais ágeis. A renovação também prepara terreno para projetos de stablecoins, moedas digitais de banco central e emissão de ativos tokenizados.
Para Nardoni, ainda não há respostas definitivas sobre quais casos de uso prosperarão, mas a premissa é garantir infraestrutura modular e escalável. “Não é a tecnologia pela tecnologia; ela tem de resolver um problema real”, resume o executivo.





