Mensagens internas obtidas pela imprensa indicam que oito perguntas quase idênticas às do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2025 circularam antes da aplicação da prova. Apesar da suspeita, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) anulou apenas três itens. Especialistas em avaliação educacional afirmam que, se cinco das questões apontadas — todas de Matemática — fossem descartadas, a precisão das notas poderia ser afetada, dependendo do grau de dificuldade de cada uma.
Por que as cinco questões de Matemática preocupam
Entre os oito itens sob suspeita, cinco estavam na área de Matemática. De acordo com Tadeu da Ponte, matemático e ex-coordenador do vestibular do Insper, o impacto da retirada dessas perguntas depende da posição que ocupam na escala de dificuldade utilizada pela Teoria de Resposta ao Item (TRI), método de correção do Enem.
Se os cinco itens forem contíguos — todos fáceis, todos médios ou todos difíceis — a estimativa de proficiência dos participantes pode ficar distorcida. Nesse cenário, a régua de medição ficaria com uma lacuna, prejudicando especialmente candidatos cujo desempenho se concentra nesse intervalo. Em contrapartida, caso as questões estejam distribuídas ao longo da escala, o efeito tende a ser mínimo.
Mark Reckase, professor emérito da Michigan State University e especialista em métodos quantitativos, concorda. Segundo ele, anular cinco perguntas pode reduzir a precisão das notas, mas o tamanho da perda depende de três parâmetros: dificuldade, discriminação (capacidade de separar alunos com alto e baixo domínio) e acerto casual. Se apenas itens fáceis forem descartados, estudantes de desempenho mais baixo sentirão maior impacto; se forem itens difíceis e altamente discriminativos, todo o conjunto de notas pode ficar comprometido.
Necessidade de dados técnicos e transparência
Para avaliar o real efeito da possível anulação, especialistas cobram do Inep a divulgação dos parâmetros psicométricos desses itens. Bruno Damásio, psicometrista e fundador da plataforma Psicometria Online, afirma que, sem essas informações, não é possível afirmar se a prova manteve a precisão. Ele defende a publicação de uma nota técnica detalhando a distribuição dos itens na escala.
Chico Soares, ex-presidente do Inep, reforça que a credibilidade do exame depende de uma resposta transparente. Para ele, simulações independentes poderiam demonstrar de maneira objetiva se a anulação de cinco questões alteraria ou não as notas finais.
Como as questões vazaram
A suspeita de antecipação das perguntas envolve Edcley Teixeira, aluno de Medicina que descobriu que o Prêmio Capes de Talento Universitário — destinado a calouros do ensino superior — utilizava itens que funcionavam como pré-teste para o banco do Enem. O estudante pagava para que colegas memorizassem o conteúdo do concurso e, em seguida, vendia o material em pacotes de mentoria. O caso é investigado pela Polícia Federal.
Das oito questões divulgadas por Edcley, três foram anuladas pelo Inep logo após a prova: sobre fotossíntese, grito humano e parcelamento financeiro. As demais — envolvendo tópicos como desvio padrão, probabilidade, tijolos e concentração de solução — continuam válidas.
Imagem: Internet
Posicionamento do Inep
Em nota oficial, o Inep declarou que a memorização parcial e aleatória de itens pré-testados não compromete a integridade do exame. Para o presidente da autarquia, Manuel Palacios, a probabilidade de acerto por simples reconhecimento é limitada a 20% em provas de múltipla escolha, o que, segundo ele, “altera muito pouco” o resultado.
Palacios argumenta que, durante a decisão de anular apenas três perguntas, ainda não havia diagnóstico completo da situação. Após análise interna, o órgão concluiu que o Enem 2025 não esteve em risco. Mesmo assim, especialistas defendem uma investigação mais ampla para confirmar a isonomia entre candidatos.
Potenciais consequências para processos seletivos
O Enem é utilizado em programas como Sisu, Prouni e Fies, além de servir como critério de bolsas em instituições privadas e para ingresso em universidades estrangeiras. Caso a precisão das notas de Matemática seja prejudicada, candidatos podem experimentar alterações no ranking de seleção. Isso seria mais crítico se as cinco questões anuladas estiverem agrupadas em um mesmo nível de dificuldade.
Para evitar insegurança jurídica, professores e pesquisadores pedem que o Inep apresente estudos que simulem diferentes cenários de anulação. Essas análises ajudariam a comprovar se a retirada dos itens provocaria variações estatisticamente significativas nas notas.
Próximos passos
Sem detalhes públicos sobre os parâmetros psicométricos das questões, paira a dúvida se o exame manteve a validade estatística. Especialistas consideram imprescindível que o Inep divulgue os dados de pré-teste e os resultados da aplicação de 2025. Enquanto isso, a investigação da Polícia Federal segue em curso para determinar a extensão do vazamento e possíveis responsabilidades criminais.
Mesmo com o posicionamento de que o exame permanece seguro, o caso reacende o debate sobre transparência nos processos de elaboração e pré-teste do Enem. Para a comunidade acadêmica, a publicação de informações técnicas completas seria o caminho mais eficiente para preservar a confiança dos milhões de estudantes que dependem da avaliação.
