São Paulo, 2 de dezembro de 2025 — A expansão das apostas esportivas e outros jogos de azar pela internet provoca perdas econômicas e sociais estimadas em R$ 38,8 bilhões por ano no Brasil. O valor consta do dossiê “A saúde dos brasileiros em jogo”, divulgado por Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), Umane e Frente Parlamentar Mista para Promoção da Saúde Mental (FPSM).
Custos econômicos e sociais
Os autores calcularam o impacto a partir de metodologia utilizada no Reino Unido, adaptada ao contexto brasileiro. O montante projeta danos diretos e indiretos, como suicídios, depressão, despesas médicas e perdas de produtividade.
Segundo o levantamento, o país registou 17,7 milhões de apostadores em apenas seis meses. Com base em dados da Universidade Federal de São Paulo, cerca de 12,8 milhões de pessoas apresentam risco elevado de desenvolver transtorno do jogo. O estudo atribui o avanço do segmento a fatores como fácil acesso a plataformas digitais, exposição intensiva em mídia e ainda limitada estrutura de políticas públicas voltadas à prevenção.
A estimativa de R$ 38,8 bilhões reúne:
- R$ 17 bilhões referentes a mortes adicionais por suicídio;
- R$ 10,4 bilhões pela perda de qualidade de vida decorrente de depressão;
- R$ 3 bilhões em tratamentos médicos para depressão;
- R$ 2,1 bilhões em seguro-desemprego;
- R$ 4,7 bilhões com encarceramento ligado a crimes associados ao jogo;
- R$ 1,3 bilhão pela perda de moradia.
Cerca de 79 % do total (R$ 30,6 bilhões) corresponde a despesas associadas à saúde. O documento destaca estudos internacionais que relacionam transtorno do jogo a maior incidência de ansiedade, depressão e risco de suicídio.
Arrecadação não cobre prejuízos
Dados do Banco Central mostram que brasileiros destinaram aproximadamente R$ 240 bilhões às apostas em 2024. Beneficiários do Programa Bolsa Família responderam por R$ 3 bilhões desse montante em agosto do mesmo ano, via Pix.
Legalizadas em 2018 e regulamentadas apenas em 2023, as plataformas passaram a recolher a maior parte dos tributos em 2025. Até setembro, a arrecadação federal somou R$ 6,8 bilhões; em outubro, ficou próxima de R$ 8 bilhões. Mesmo com projeção de R$ 12 bilhões para o ano inteiro, a receita cobre pouco menos de um terço do prejuízo calculado pelo estudo.
Hoje, as empresas pagam 12 % sobre a receita bruta. O Projeto de Lei 5473/2025, em análise no Senado, propõe elevar essa alíquota para 24 %. Prêmios obtidos pelos apostadores estão sujeitos a 15 % de Imposto de Renda.
Apesar da arrecadação, apenas 1 % dos recursos das apostas destina-se ao Ministério da Saúde; até agosto, o repasse efetivo foi de R$ 33 milhões. O dossiê observa que não existe vinculação obrigatória dessa verba ao financiamento da Rede de Atenção Psicossocial (Raps), responsável pelo cuidado em saúde mental no Sistema Único de Saúde.
Imagem: Últimas Notícias
Emprego, informalidade e propostas de mitigação
O setor emprega 1.144 trabalhadores formais, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados. Para cada R$ 291 de receita, apenas R$ 1 transforma-se em salário formal, aponta o estudo. Além disso, 84 % dos ocupados na atividade não contribuem para a Previdência, enquanto a média da economia brasileira é de 36 %.
Frente ao cenário, os pesquisadores recomendam cinco medidas prioritárias: destinar parcela maior da tributação à saúde; capacitar profissionais do SUS para atender casos de dependência; proibir ou restringir publicidade de apostas, com campanhas de conscientização; limitar o acesso de menores e de perfis considerados de risco; e impor regras mais rígidas para assegurar retorno financeiro ao país e mecanismos eficazes de fiscalização.
O relatório também cita experiências adotadas no Reino Unido, como programas de autoexclusão compulsória, restrições à publicidade dirigida a jovens e destinação de 50 % da receita de impostos a tratamentos de saúde.
A diretora de Relações Institucionais do Ieps, Rebeca Freitas, defende regulação firme, fiscalização contínua e responsabilidade das operadoras para reduzir endividamento e problemas de saúde mental. “Sem mecanismos sólidos de redução de danos, os riscos tendem a crescer entre grupos mais vulneráveis”, afirmou.
Representantes do setor avaliam de forma diferente. O Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), que reúne cerca de 75 % do mercado, posiciona-se contra o aumento de impostos, alegando que a medida poderia incentivar operadores clandestinos. A entidade calcula que mais da metade das apostas virtuais no país ocorre fora do ambiente regulado.
Em 2025, a atividade também foi alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado. O parecer final, que recomendava o indiciamento de 16 pessoas, acabou rejeitado pelos senadores, situação inédita na Casa nos últimos dez anos.





