A captura das primeiras horas de duas novas permitiu a um grupo internacional de astrónomos acompanhar, em tempo real, a evolução de explosões estelares e concluir que esses eventos envolvem várias etapas de ejeção de material. As observações foram conduzidas com o Centro de Astronomia de Alta Resolução Angular (CHARA), instalado na Califórnia, e complementadas por dados do telescópio espacial Fermi, sensível a raios gama.
Método de observação e avanços técnicos
O CHARA combina a luz de seis telescópios por interferometria, técnica que amplia artificialmente o diâmetro de coleta e atinge resolução angular superior à de grandes observatórios ópticos individuais. Essa abordagem garantiu imagens diretas e detalhadas de fenômenos que costumam aparecer como meros pontos de luz. A equipa conseguiu reagendar sessões noturnas com rapidez para explorar alvos recém-identificados, requisito essencial para flagrar erupções que se desenrolam em questão de dias.
As novas surgem em sistemas binários nos quais uma anã branca extrai matéria da estrela companheira. Quando a quantidade de hidrogênio acumulado ultrapassa determinado limite, ocorre uma reação termonuclear explosiva na superfície desse remanescente compacto. Até agora, os modelos assumiam que a detonação era única e imediata. O conjunto de imagens recentes mostra, porém, retardos e múltiplos fluxos de gás, obrigando a rever essa premissa.
Duas novas com comportamentos distintos
A primeira alvo do estudo, denominada Nova V1674 Hércules, destacou-se pela rapidez extrema: o brilho atingiu o pico e começou a cair em poucos dias, classificando-a entre as novas mais velozes já documentadas. As fotografias revelaram dois jatos de gás perpendiculares, evidência de que a eclosão resultou de ejeções sucessivas que interagiram entre si. Esse choque interno produziu radiação de alta energia detetada pelo Fermi, que registou emissão de raios gama em sincronia com a colisão dos fluxos.
O segundo objeto, Nova V1405 Cassiopeia, apresentou evolução oposta. Após a ignição, suas camadas externas permaneceram intactas por mais de cinquenta dias antes de serem finalmente expulsas. Tal atraso nunca tinha sido observado de forma tão clara em novas. Quando a concha foi lançada para o espaço, formaram-se novas frentes de choque, igualmente detectadas pelo observatório de raios gama.
Consequências científicas
Os dois casos demonstram que explosões em anãs brancas podem envolver vários pulsos de energia, ao contrário do cenário simplificado de uma única deflagração. Segundo os investigadores, a variedade de perfis — desde a descarga ultrarrápida de V1674 Hércules até à expulsão adiada de V1405 Cassiopeia — sugere que fatores como rotação da anã branca, geometria do disco de acreção e quantidade de massa transferida podem influenciar o modo de ejeção.
Imagem: Tecnologia & Inovação
A correlação direta entre choques internos e emissão de raios gama valida a utilização das novas como laboratórios naturais para estudar aceleração de partículas em altas energias, fenómeno também presente em supernovas e remanescentes de estrelas massivas. Com a vantagem de ocorrerem com maior frequência e a distâncias relativamente menores, esses sistemas binários oferecem oportunidade de observar processos de choque em tempo real.
Próximos passos
Os autores planeiam manter campanhas de monitorização flexíveis, capazes de redirecionar telescópios terrestres e espaciais poucas horas após alertas de novas erupções. A meta é construir uma amostra estatística que indique quantas novas seguem padrões de fluxo múltiplo, qual a fração de casos com ejeção retardada e como a estrutura do jato se relaciona com a intensidade de raios gama.
Além disso, integrações com radiotelescópios devem avaliar a presença de partículas relativísticas emitidas após as colisões, enquanto espectrógrafos de alta resolução fornecerão medidas exatas de velocidade e composição química do material expulso. Esses dados serão cruciais para refinar modelos de reações termonucleares em anãs brancas e para estimar o impacto dessas erupções na química interestelar.
A equipa considera que o estudo inaugura uma nova fase no entendimento das novas, aproximando-se da mesma revolução que ocorreu quando supernovas começaram a ser captadas em diversas bandas do espectro eletromagnético. O acompanhamento multiprocesso das duas explosões, desde o visível até os raios gama, oferece uma visão completa e confirma que cada estrela pode “explodir do seu próprio jeito”, frase usada pelos investigadores como resumo do resultado alcançado.






