Giselle Beiguelman expõe motivos da frustração do público com arte feita por IA

Em declarações divulgadas em 2 de dezembro de 2025, a artista e pesquisadora Giselle Beiguelman abordou as causas da insatisfação que parte do público manifesta diante de obras produzidas com inteligência artificial (IA). As afirmações foram feitas em diferentes vídeos publicados no mesmo dia, com durações que variam de 7 a 52 minutos, nos quais a autora refletiu sobre autoria, censura algorítmica e o papel crescente das máquinas no processo criativo.

IA começa a decidir pelo artista

Para Beiguelman, a principal novidade trazida pelas plataformas de geração de imagens, texto e vídeo é a capacidade de a tecnologia tomar determinadas decisões em lugar do criador humano. “A grande novidade é a IA tomar decisões pelo artista”, afirmou. Apesar disso, ela enfatiza que o sistema “não cria sozinho”, pois ainda depende das instruções, escolhas e revisões feitas pelo autor. Segundo a artista, há uma “negociação constante” entre humano e máquina, processo que contraria a ideia de que a obra seria inteiramente automatizada.

Essa relação híbrida, explica Beiguelman, provoca estranhamento em parte do público porque perturba uma expectativa cultural: a de que a arte resulte exclusivamente da intenção e da sensibilidade humanas. Quando a máquina passa a interferir em etapas consideradas centrais — como composição, estilo ou seleção de elementos visuais —, cresce a sensação de perda de autoria, o que se converte em frustração ou desconfiança.

Autoria negociada e censura algorítmica

No material publicado, Beiguelman também questiona se as criações com IA devem ou não ser classificadas como arte. Em sua avaliação, o debate não pode ignorar fenômenos como a “censura algorítmica”, situação em que sistemas automáticos filtram ou eliminam conteúdos sem o controle direto do autor. A artista cita ainda o conceito de “obsolescência desprogramada”, expressão usada para descrever o ritmo acelerado com que ferramentas digitais e repositórios de dados se tornam desatualizados, impondo novos limites à durabilidade da produção cultural.

Beiguelman reforça que o conjunto dessas pressões — automatização de decisões, filtros algorítmicos e rápida obsolescência técnica — torna o ambiente criativo mais volátil. Nessa perspectiva, o autor precisa atuar como mediador entre o código e o conteúdo, adaptando-se a regras mutáveis que nem sempre são transparentes para o público.

“Fizemos o download da internet e agora vivemos dentro dela”

Em uma das gravações, a artista recorre a uma metáfora para ilustrar o estágio atual da cultura digital: “Fizemos o download da internet e agora vivemos dentro dela”. A frase sintetiza, segundo ela, o caráter imersivo das redes e dos grandes modelos de linguagem: todo o repertório da web pode ser reutilizado por sistemas de IA, gerando criações que misturam referências sem que o espectador identifique facilmente a origem de cada elemento.

Essa reorganização de signos contribui para a percepção de artificialidade. Quando espectadores reconhecem traços familiares, mas não localizam o autor ou o contexto de produção, sentem-se “enganados” ou “excluídos” do processo criativo. Para Beiguelman, compreender essa dinâmica é fundamental para reduzir a frustração: ao reconhecer a IA como parte do fluxo cultural, o público pode avaliar a obra a partir dos critérios que realmente regem sua construção.

Por que a frustração persiste

Beiguelman aponta três fatores que alimentam o descontentamento:

Giselle Beiguelman expõe motivos da frustração do público com arte feita por IA - Tecnologia e Inovação

Imagem: Tecnologia e Inovação

1. Expectativa de originalidade absoluta: A crença de que toda obra deve ser única colide com modelos que se baseiam em um vasto acervo de dados.

2. Invisibilidade do processo: A negociação entre autor e algoritmo ocorre nos bastidores e raramente é documentada, o que dificulta a compreensão do público.

3. Desconfiança sobre direitos e remuneração: Quando a fronteira entre cocriação e cópia se torna nebulosa, surgem dúvidas sobre quem deve ser reconhecido ou remunerado.

Ao discorrer sobre esses pontos, a artista não propõe soluções fechadas, mas sugere maior transparência como caminho para a aceitação da arte generativa. Tornar visíveis as etapas de produção, bem como esclarecer as fontes de dados utilizadas pelos modelos, seriam passos capazes de aproximar criadores e audiência.

Debate continua aberto

As falas de Giselle Beiguelman evidenciam que o desconforto com obras produzidas por IA não decorre apenas de questões técnicas, mas também de valores culturais e expectativas sobre autoria. À medida que algoritmos ampliam seu papel em decisões estéticas, o diálogo entre artistas, programadores e público tende a ganhar novas camadas, reforçando a importância de discutir transparência, ética e direitos na esfera digital.

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