Governo Lula estuda acionar o STF após Congresso restaurar lei do licenciamento ambiental

O Executivo federal e organizações da sociedade civil avaliam recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a lei do licenciamento ambiental, depois de o Congresso Nacional rejeitar 52 dos 63 vetos presidenciais e, na prática, restabelecer a maior parte do texto aprovado em julho.

Vetos derrubados restabelecem dispositivos mais flexíveis

Em sessão conjunta realizada nesta semana, deputados e senadores retomaram quase integralmente a proposta inicial do licenciamento ambiental. Os parlamentares mantiveram apenas os vetos relativos à Licença Ambiental Especial (LAE), ainda não apreciados pelo plenário. Mesmo assim, esse instrumento já está em vigor por meio de uma medida provisória editada pelo governo.

Com a derrubada da maior parte dos vetos, o texto restabelecido contém regras que reduzem exigências para emissão de licenças em vários tipos de empreendimentos. Na avaliação do Ministério do Meio Ambiente, as alterações ampliam a dispensa de estudos de impacto e enfraquecem o princípio da prevenção, previsto na Constituição.

Governo prepara reação jurídica

A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, qualificou a decisão do Congresso como uma “verdadeira demolição” da legislação ambiental brasileira. Em entrevista ao CanalGov, na manhã de sexta-feira (28), a ministra declarou que a nova lei fere o artigo 225 da Constituição, que garante o direito coletivo a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Segundo Marina, o Executivo “está avaliando fortemente” medidas judiciais cabíveis. A possibilidade principal é a proposição de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) perante o STF, iniciativa que pode ser apresentada pela Presidência da República, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU), ou por partidos políticos com representação no Congresso.

A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, confirmou que a Casa Civil e a área jurídica do governo analisam alternativas para “corrigir o curso” do processo legislativo. Internamente, o Palácio do Planalto discute qual fundamentação constitucional sustenta o pedido de suspensão dos dispositivos reintroduzidos.

Parlamentares e especialistas veem conflito com jurisprudência do STF

O deputado federal Nilto Tatto (PT-SP), integrante da Frente Parlamentar Mista Ambientalista, afirmou que o grupo buscará “alternativas legislativas e judiciais” para restituir salvaguardas ambientais. Ele defende a articulação com partidos de oposição e com o Ministério Público para ampliar o leque de questionamentos no Judiciário.

Para o professor Rubens Glezer, da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, a via mais provável de contestação é a ADI. O jurista lembra que o STF tem histórico de invalidar normas estaduais que flexibilizavam licenças ambientais e considera que a lei aprovada representa uma “declaração de guerra” à jurisprudência vigente.

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Imagem: Internet

Glezer avalia ainda que a pauta ambiental pode tornar-se moeda de negociação entre Executivo, Legislativo e Supremo em trocas envolvendo outros temas, como processos relacionados aos atos de 8 de janeiro. Ele observa que o tribunal adota, recentemente, comportamento mais dialogal com o Congresso, tendência que pode se intensificar com eventual aprovação de novos ministros indicados pelo presidente.

Cientistas mobilizam ação coletiva

A pesquisadora Luciana Gatti, referência em estudos sobre a Amazônia, informou que pretende reunir cientistas para sustentar tecnicamente um pedido de inconstitucionalidade. O grupo busca apoio de partidos como Rede Sustentabilidade e PSOL para ingressar com a ação.

Gatti argumenta que o afrouxamento das licenças pode estimular o desmatamento, favorecendo eventos climáticos extremos no país. Segundo a pesquisadora, os efeitos recaem sobretudo sobre populações vulneráveis, que enfrentam maior exposição a enchentes, secas e ondas de calor.

Próximos passos

A articulação jurídica do governo deve concentrar-se na elaboração de pareceres que demonstrem violação aos princípios constitucionais da prevenção e da precaução. Paralelamente, organizações não governamentais e entidades acadêmicas preparam memoriais técnicos que poderão subsidiar ações no Supremo.

Enquanto o STF não se pronuncia, a lei aprovada segue aplicável em todo o território nacional. Órgãos licenciadores estaduais e federais já podem utilizar as novas regras, inclusive nos casos em que o texto admite autodeclaração de regularidade ambiental. A tramitação de um possível projeto de lei substitutivo no Congresso também está em estudo por parlamentares contrários à flexibilização.

Não há prazo definido para a apresentação da eventual ADI, mas fontes do governo indicam que a ação pode ser protocolada ainda no primeiro trimestre de 2024, dependendo da consolidação dos argumentos técnicos e políticos necessários.

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