Jurista defende criação de autoridade antimáfia e integração nacional contra o crime organizado

As recentes operações policiais contra facções criminosas reacenderam a discussão sobre a forma de combater o crime organizado no Brasil. O jurista Walfrido Warde, estudioso do tema, sustenta que somente uma coordenação unificada entre os três níveis de governo e a instituição de uma autoridade nacional antimáfia podem conter a expansão de grupos como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho.

Proposta de coordenação única

Em entrevista concedida após o lançamento do livro “Segurança Pública: o Brasil Livre das Máfias”, escrito em parceria com o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, Warde afirmou que a pulverização de competências entre Polícias Federal, Rodoviária Federal, civis, militares e guardas municipais cria lacunas exploradas pelas facções. “Se houver um comando único, evitam-se descoordenação, sobreposições e disputas políticas”, ressaltou.

Segundo o jurista, a Polícia Federal dispõe de menos de 15 mil agentes, número considerado insuficiente para enfrentar organizações que já se infiltraram em setores econômicos e políticos. Ao comparar, Warde lembra que o efetivo somado das polícias estaduais e municipais é várias vezes superior, mas atua sem integração plena.

Para suprir essa carência, ele sugere que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública inclua a criação de um órgão nacional antimáfia, responsável por elaborar políticas, coordenar investigações e distribuir recursos. A estrutura trabalharia lado a lado com a Polícia Federal e articularia as forças estaduais e municipais.

Infiltração nos negócios e na política

No livro, Warde e Gakiya detalham a presença das facções em ramos como transporte, iluminação pública, mercado imobiliário, redes de restaurantes, revendas de carros e postos de combustível. Também apontam contratos com a administração pública e participação no mercado financeiro por meio de fundos, sociedades e criptomoedas.

No campo político, o financiamento de campanhas eleitorais é apontado como porta de entrada para o crime organizado. De acordo com Warde, o fim do financiamento empresarial em 2015 reduziu a fiscalização sobre doações, abrindo espaço para o uso de dinheiro vivo pelas facções. “Há investigações em curso sobre aporte ilegal de recursos em campanhas para vereador, deputado estadual e federal”, afirmou.

Para enfrentar esse cenário, os autores defendem a reintrodução do financiamento empresarial de campanhas, mas sujeito a regras rígidas de rastreabilidade, governança e transparência, capazes de substituir o capital criminoso.

Classificação do grau de envolvimento

Outra medida considerada essencial é a tipificação detalhada da participação de pessoas físicas e jurídicas em organizações mafiosas. O jurista propõe uma escala que diferencia investigados, indiciados, denunciados e condenados em definitivo. Com essa lista, órgãos públicos poderiam vetar contratos com entes ligados ao crime organizado e impedir a circulação de recursos ilícitos na economia formal.

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Warde sustenta que a ausência de critérios claros dificulta sanções eficazes. “Não basta afirmar que alguém é ligado ao PCC; é preciso especificar o nível de compromisso”, disse. A proposta inclui a criação de bases de dados para consulta por empresas e administrações públicas antes da assinatura de contratos ou concessão de licenças.

Risco de evolução para narcoestado

Na avaliação do jurista, a penetração das facções em setores estratégicos sugere “estágio avançado” rumo a um narcoestado. Ele cita exemplos internacionais em que a cooptação de instituições de Estado resultou na perda de controle territorial e orçamentário. “O Brasil ainda tem tempo de impedir esse avanço, mas é necessário agir de forma coordenada”, alertou.

Warde lembra que projetos de lei recentes destinados ao combate a facções foram “descaracterizados” durante a tramitação na Câmara dos Deputados, justamente por não preverem uma estrutura nacional de coordenação. O jurista defende que o Congresso retome o debate e incorpore a figura da autoridade antimáfia na legislação.

Próximos passos

Apesar de reconhecer avanços pontuais de forças de segurança estaduais, Warde considera que ações isoladas representam apenas “medidas de contenção”. Para ele, a integração proposta permitiria compartilhamento de inteligência, padronização de procedimentos e uso otimizado de recursos financeiros.

O livro foi lançado em evento na cidade de São Paulo na semana passada e reúne dados inéditos sobre estratégias de infiltração, além de sugestões legislativas. A obra já circula entre parlamentares e especialistas em segurança pública.

Enquanto o debate avança no Congresso, operações contra o crime organizado seguem em diversos estados. Especialistas veem no modelo sugerido por Warde e Gakiya um caminho para unificar esforços e aumentar a eficácia do combate às facções que desafiam o poder público.

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