O Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou, em segunda instância, a decisão que anulou a expulsão de Victor Henrique Ahlf Gomes, 23 anos, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). A 5ª Câmara de Direito Público considerou a medida administrativa desproporcional e determinou que a instituição conclua a colação de grau e emita o diploma do estudante.
Decisão colegiada considera punição excessiva
O julgamento ocorreu nesta quarta-feira (3) e foi unânime entre os desembargadores. Para o colegiado, o processo disciplinar que resultou na expulsão extrapolou os limites da razoabilidade ao punir o aluno por condutas que, segundo o entendimento da corte, não estariam relacionadas diretamente ao ambiente acadêmico.
Os magistrados afirmaram que as supostas mensagens ofensivas — incluindo acusações de calúnia, difamação, importunação sexual e declarações de cunho racista — não ultrapassam a liberdade de manifestação a ponto de justificar a penalidade máxima prevista no regimento interno da universidade. Além disso, a corte observou que parte dos fatos investigados teria ocorrido fora das dependências da USP, afastando o nexo entre a conduta e a vida universitária.
Histórico do caso
A controvérsia começou em 2022, quando Gomes encerrou o relacionamento com uma colega de curso. Após a separação, ele registrou boletim de ocorrência contra a ex-namorada por calúnia, difamação e perseguição, além de solicitar à universidade a abertura de sindicância. Durante a apuração interna, a comissão formada por professores concluiu, porém, que o estudante seria o autor de agressões verbais, ameaças e importunação sexual contra a ex-companheira e amigas dela.
O relatório da sindicância também reuniu depoimentos que atribuem ao aluno comentários depreciativos de natureza racial. Em setembro de 2024, a comissão recomendou a expulsão por “atentado aos bons costumes” e “perturbação dos trabalhos escolares”, infrações previstas no código de ética da USP. A decisão foi homologada pela Procuradoria-Geral da universidade e ratificada pela congregação da Faculdade de Direito em outubro do mesmo ano, quando o estudante já se encontrava no último semestre do curso.
Anulação em primeira instância e recurso da USP
Em março deste ano, a juíza Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública, anulou o processo administrativo disciplinar (PAD) por entender que a punição não observou o princípio da proporcionalidade. A universidade recorreu, defendendo a validade da expulsão e a gravidade das acusações.
Na análise do recurso, o TJ-SP manteve a sentença de primeiro grau. O acórdão ressalta que “o caso, embora relevante, não configura ofensa grave à coletividade acadêmica” e que a medida mais severa prevista no estatuto estudantil deveria ser reservada a condutas com impacto direto na ordem universitária.
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Próximos passos e possibilidade de novo recurso
A decisão obriga a Faculdade de Direito a concluir a colação de grau de Gomes e expedir o diploma correspondente. A defesa do estudante, representada pela advogada Alessandra Parmigiani, considerou a confirmação em segunda instância uma vitória do devido processo legal. Já a USP ainda pode recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Questionada sobre essa possibilidade, a instituição não havia se manifestado até a última atualização deste texto.
Argumentos apresentados pelas partes
Durante o PAD, Gomes alegou ter sido alvo de “imaturidade afetiva” e afirmou buscar apenas uma retratação pública da ex-namorada. Nas alegações finais, classificou como falsas as acusações de agressão e importunação sexual, atribuindo-as a possíveis ciúmes. Já as testemunhas ouvidas pela comissão — ao todo, 20 pessoas — relataram comportamento agressivo e ameaças recorrentes por parte do estudante, reforçando a versão da vítima.
No plano judicial, a defesa sustentou que as conversas eletrónicas anexadas ao processo estariam protegidas pela liberdade de expressão e ocorreram fora das dependências universitárias. A Procuradoria da USP, por sua vez, argumentou que as ofensas atingiram membros da comunidade acadêmica e violaram valores institucionais, justificando a sanção extrema.
Implicações para a universidade
Ao manter a anulação, o TJ-SP estabelece parâmetro sobre a extensão do poder disciplinar das universidades públicas, especialmente quando os fatos apontados fogem do espaço acadêmico. Caso a USP não recorra ou tenha novo pedido negado, o estudante deverá receber o diploma, encerrando oficialmente o vínculo com a instituição como aluno regular.
O processo ainda gera debate sobre os limites entre liberdade de expressão, assédio e discurso discriminatório no meio estudantil, além de ressaltar a necessidade de procedimentos administrativos que garantam ampla defesa e proporcionalidade nas sanções aplicadas.






