Porta lógica feita de luz em hidrogel inaugura nova era da computação de materiais

Pesquisadores das universidades McMaster e Pittsburgh, nos Estados Unidos, demonstraram a primeira porta lógica funcional construída apenas com feixes de luz visível que atravessam um hidrogel flexível e biocompatível. O resultado inaugura um avanço no campo dos chamados materiais computacionais, nos quais o próprio material realiza operações lógicas sem recurso a transistores ou circuitos eletrónicos tradicionais.

Como a porta lógica de luz funciona

O dispositivo utiliza um hidrogel incorporado com merocianina, composto orgânico que se contrai ao ser iluminado. Quando um feixe de laser penetra no gel, a contração local aumenta o índice de refração, confinando o próprio feixe num canal luminoso mais estreito e intenso. Esse efeito é conhecido como autoconfinamento.

Ao introduzir dois ou mais feixes no mesmo ponto do material, os investigadores observaram um comportamento competitivo: cada feixe tenta manter o seu canal, inibindo o outro. Três feixes foram suficientes para gerar padrões de interação que mapeiam diretamente a operação booleana NAND (NOT AND), uma das duas portas lógicas universais capazes de originar qualquer outro tipo de porta.

Segundo Fariha Mahmood, membro da equipa responsável pelo experimento, o fenómeno equivale a “ver o material pensar”, pois todas as entradas e saídas são processadas pela dinâmica interna do hidrogel, sem fios, eletrodos ou componentes eletrónicos externos.

Importância da porta NAND em materiais suaves

No universo da eletrónica, as portas NAND e NOR são consideradas universais, podendo ser combinadas para formar circuitos complexos de processamento de dados. Ao reproduzir uma porta NAND com luz num hidrogel, os cientistas deram o passo fundamental para criar circuitos completos dentro de materiais suaves, algo inviável com tecnologia semicondutora convencional.

Kalaichelvi Saravanamuttu, responsável pela parte óptica do projeto, sublinha que o resultado mostra o potencial de “computação que controla luz com luz”. A equipa investiga esses géis há cerca de dez anos, mas apenas agora demonstrou uma operação lógica completa, requisito para aplicações práticas.

Aplicações previstas e limitações atuais

Apesar de não competir com processadores de silício em velocidade ou densidade, a tecnologia abre caminho a sistemas que exijam autonomia e capacidade de decisão local. A lista inclui robótica macia, dispositivos médicos autorreguláveis, sensores independentes e materiais adaptativos que se reorganizam em resposta ao ambiente.

Porta lógica feita de luz em hidrogel inaugura nova era da computação de materiais - Tecnologia e Inovação

Imagem: Tecnologia e Inovação

A professora Anna Balazs, coordenadora do grupo, explica que o objetivo não é substituir o silício, mas “imitar a autonomia dos materiais biológicos”. Nessa perspetiva, um material que sente, computa e reage de forma integrada cria novas possibilidades de design para engenheiros e cientistas de materiais.

Entre as limitações reconhecidas, estão a escala laboratorial da demonstração, a necessidade de lasers para acionar a lógica e a resposta relativamente lenta do hidrogel quando comparada à eletrónica convencional. No entanto, os autores acreditam que a pesquisa estabelece uma base sólida para otimizações futuras, como novos fotopolímeros ou fontes de luz miniaturizadas.

Próximos passos da investigação

O grupo planeja explorar combinações entre diferentes compostos fotossensíveis, ajustar a geometria dos feixes e integrar múltiplas portas no mesmo bloco de hidrogel. Outra linha de trabalho envolve a tentativa de acionar o material com luz ambiente ou LEDs de baixo consumo, reduzindo a dependência de lasers de alta intensidade.

Uma meta de longo prazo é criar redes lógicas completas dentro de materiais flexíveis, permitindo que robôs suaves ou implantes biomédicos decidam como agir sem recorrer a controladores externos. Os cientistas consideram que tal capacidade se aproximaria do comportamento adaptativo de tecidos biológicos, onde processamento e ação ocorrem na mesma estrutura.

Com a demonstração da porta NAND óptica em hidrogel, a investigação dá um passo decisivo para a computação embutida em materiais, conceito que funde mecânica, óptica e lógica num único sistema. A novidade sinaliza um futuro em que objetos flexíveis poderão processar informação de forma nativa, abrindo frentes de inovação fora do âmbito da eletrónica tradicional.

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