O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou constitucional, nesta quarta-feira (13), o dispositivo legal de 2001 que ampliou a incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre remessas de royalties ao exterior. A decisão afeta diretamente empresas que pagam por cessão ou licença de uso de marcas, categoria em que a Netflix se enquadra, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Decisão consolida tributação de 10% sobre royalties
Até a edição da Lei nº 10.168/2001, a Cide se aplicava apenas a operações de transferência de tecnologia. Com a norma, a obrigatoriedade foi estendida a outros tipos de pagamentos, como licenciamento de marcas e fornecimento de software. A alíquota permanece em 10% sobre o valor remetido ao exterior.
O julgamento encerrado pelo STF tratava da constitucionalidade dessa ampliação. Por maioria, os ministros consideraram legítima a cobrança, encerrando uma das maiores controvérsias tributárias em curso no país. De acordo com estimativa da PGFN, a manutenção do tributo pode representar R$ 19,6 bilhões aos cofres públicos referentes aos últimos cinco anos.
Impacto financeiro para a Netflix
No relatório anual enviado a acionistas, a Netflix informou risco de desembolso de até US$ 400 milhões (aproximadamente R$ 2,1 bilhões) em tributos “não incidentes sobre a renda” relacionados ao mercado brasileiro. O documento não detalha quais tributos compõem o montante, mas a confirmação da Cide reforça a possibilidade de incremento desse passivo fiscal. No exercício anterior, a plataforma projetava impacto de US$ 300 milhões.
Questionada sobre a decisão do STF, a empresa não se pronunciou. Já a PGFN confirmou que a Netflix figura como contribuinte da Cide, devido aos pagamentos de royalties por uso de marca realizados a matrizes no exterior.
Tributo é distinto do PL do streaming
A manutenção da Cide se soma ao debate legislativo sobre o Projeto de Lei que pretende instituir a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine) sobre serviços de vídeo sob demanda. Enquanto a Cide recai sobre remessas ao exterior, a nova contribuição, se aprovada, incidirá sobre a receita bruta obtida no território nacional.
Portanto, o passivo de US$ 400 milhões apontado pela Netflix não se relaciona ao PL do streaming. Trata-se de obrigações já existentes, reforçadas agora pela decisão do STF.
Classificação fiscal diferencia empresas do setor
Na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE), a Netflix está registrada como “portais, provedores de conteúdo e outros serviços de informação na internet”. Outras companhias de mídia seguem enquadramentos distintos: a Disney aparece em “distribuição cinematográfica, de vídeo e de programas de televisão”, enquanto o grupo Warner-Discovery, dono da HBO Max, figura em “atividades relacionadas à televisão por assinatura”. Essas diferenças podem implicar regimes tributários particulares para cada empresa.

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Argumentos discutidos no STF
Durante o julgamento, representantes de grandes empresas de tecnologia atuaram como terceiros interessados, pedindo interpretação mais restrita da lei. Os ministros, contudo, concluíram que a ampliação da base de incidência atende ao princípio da isonomia e à necessidade de financiar programas de pesquisa científica e tecnológica, destino previsto para a arrecadação da Cide.
A sessão também abordou o contexto das tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos, citadas por parte dos magistrados como pano de fundo das discussões sobre tributação de multinacionais digitais.
Próximos passos e efeitos práticos
Com a decisão do STF, a Receita Federal pode prosseguir na cobrança dos débitos vinculados à Cide-Royalties. Empresas que mantinham depósitos judiciais ou ações suspensas deverão regularizar a situação ou recorrer a eventuais instrumentos de parcelamento.
Para a Netflix, o reconhecimento definitivo da contribuição reforça a necessidade de provisionar valores adicionais ou negociar acordos fiscais. Qualquer redução no valor projetado dependerá de futuras definições administrativas ou judiciais sobre base de cálculo e períodos alcançados.
No cenário macro, a decisão do Supremo sinaliza maior segurança jurídica para a União na cobrança de tributos sobre remessas de propriedade intelectual. Ao mesmo tempo, amplia o debate sobre a adequação da legislação brasileira às novas formas de distribuição de conteúdo digital.