A adoção de um processo metalúrgico à base de hidrogênio pode reduzir de forma significativa a pegada de carbono da extração de nódulos polimetálicos no fundo do mar, segundo estudo conduzido pelo brasileiro Isnaldi Souza Filho no Instituto Max Planck para Materiais Sustentáveis, na Alemanha. A proposta elimina a necessidade de um dos fornos usados na rota convencional e, se abastecida por energia renovável, tem potencial para operar sem emissões diretas de dióxido de carbono.
Demanda por metais críticos impulsiona exploração oceânica
Grandes áreas do leito oceânico concentram nódulos metálicos do tamanho de bolas de tênis, formados principalmente por manganês, mas também ricos em níquel, cobre e cobalto. Esses elementos são componentes essenciais de baterias e cabos elétricos, cuja procura aumentou com a expansão de veículos elétricos e usinas de energia solar. Para atender à demanda, empresas de mineração avaliam operações em águas profundas, embora o impacto ambiental da coleta dos nódulos seja motivo de forte controvérsia, por se tratar de um dos últimos ecossistemas praticamente intocados do planeta.
Uma companhia canadense, a The Metals Company, negocia licença para iniciar a extração desses nódulos e prevê empregar um fluxo que combina combustível fóssil e eletricidade. O método envolve primeiro aquecer o material em um forno convencional com coque e metano e, depois, transferi-lo para um forno elétrico a arco. Mesmo com a segunda etapa considerada mais limpa que um alto-forno tradicional, a empresa calcula emissões de 4,9 quilogramas de CO2 por quilograma de metais recuperados.
Processo com plasma de hidrogênio elimina forno adicional
O grupo liderado por Souza Filho propõe simplificar a rota metalúrgica ao moer os nódulos e transformá-los em pelotas. Essas pelotas seguem diretamente para um forno de arco especial, onde se cria uma atmosfera de hidrogênio e argônio. O fluxo intenso de elétrons gerado pelo eletrodo converte o hidrogênio em um plasma superaquecido, com temperaturas superiores a 1 700 °C.
Nesse ambiente, íons de hidrogênio reagem com o oxigênio contido nos óxidos metálicos. O resultado é água, enquanto permanecem apenas os metais puros. Como subprodutos surgem óxido de manganês e ligantes de manganês, ambos aplicáveis à produção de baterias e à siderurgia. A remoção do primeiro forno reduz etapas, energia e emissões.
Os responsáveis pelo estudo afirmam que, além de mais limpa, a operação tende a ser economicamente competitiva. A concentração de manganês nos nódulos marinhos chega a ser dez vezes maior do que nos melhores minérios terrestres, o que diminui a quantidade de material necessário por tonelada de produto final. Ademais, a rota tradicional em terra usa ácido sulfúrico, elevando custos e riscos ambientais.
Desafios para zerar as emissões
O requisito crucial para alcançar emissões próximas de zero é o uso de hidrogênio verde, produzido por eletrólise da água com eletricidade oriunda de fontes renováveis. Hoje, porém, a maior parte do hidrogênio comercial resulta da reforma de metano, processo que emite CO2. O mesmo critério vale para a energia que alimenta o forno de arco: se vier de usinas fósseis, parte da vantagem climática se perde.
Imagem: NewsUp Brasil
Apesar desses condicionantes, os autores calculam que a combinação entre hidrogênio renovável e eletricidade limpa poderia eliminar virtualmente o carbono da metalurgia dos nódulos. Em cenário otimista, os custos também cairiam, já que a etapa única de fusão plasma-hidrogênio demanda menos infraestrutura e reduz o consumo de reagentes.
A proposta surge num momento em que organismos internacionais discutem normas para a mineração em alto-mar. Reguladores e cientistas buscam equilibrar a necessidade de insumos para a transição energética com a conservação dos ecossistemas abissais. Embora o método de Souza Filho não trate do impacto da coleta dos nódulos, ele pode atenuar os efeitos climáticos associados ao processamento dos metais, oferecendo ganho ambiental adicional.
O próximo passo envolve testes em escala piloto para validar a viabilidade industrial do forno de plasma de hidrogênio. Caso os resultados laboratoriais se confirmem, a tecnologia poderá ser incorporada a futuros projetos de mineração submarina ou mesmo adaptar operações em terra que lidem com minérios de composição semelhante.
Enquanto a demanda por veículos elétricos, painéis fotovoltaicos e sistemas de armazenamento de energia mantém a pressão sobre a oferta global de metais críticos, soluções que conciliem segurança climática e acesso a matérias-primas tornam-se estratégicas. A rota desenvolvida na Alemanha oferece um caminho possível, dependendo de avanços na produção de hidrogênio verde e de definições regulatórias que orientem a atividade em águas profundas.





