Uerj revisa política de cotas ao completar 22 anos de ação afirmativa

Educação e Tecnologia

A política de cotas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) chegou aos 22 anos e entrou em fase de avaliação para possíveis ajustes. Implantadas em 2003, as vagas reservadas para estudantes negros, indígenas, quilombolas e oriundos de escolas públicas serão analisadas novamente em 2028, quando expira a legislação aprovada em 2018. Nesse processo, a universidade passou a ouvir ex-alunos beneficiados para mapear resultados e definir próximos passos.

Encontro reúne egressos e destaca mobilidade social

Na última semana de novembro, o 1º Encontro de Cotistas Egressos reuniu ex-estudantes na reitoria da Uerj. O geógrafo Henrique Silveira, inscrito pelo sistema em 2006, relatou ter saído de um trabalho informal com carroça na Baixada Fluminense para ocupar o cargo de subsecretário de Tecnologias Sociais da prefeitura do Rio. Ele atribuiu essa mudança ao acesso facilitado à universidade e defendeu a manutenção da política afirmativa.

A dentista Maiara Roque, aprovada em 2013, citou dificuldades iniciais, como questionamentos sobre a legitimidade dos cotistas e bolsas limitadas. Apesar desses obstáculos, concluiu o curso integral de odontologia, trabalhou na rede pública e hoje atende em consultório próprio na Penha, bairro onde cresceu. Para Maiara, a presença de profissionais formados pelo sistema de cotas dentro das comunidades reforça a representatividade e amplia a confiança do público atendido.

Também egresso de um pré-vestibular comunitário, o historiador David Gomes ingressou em 2011. Morador do Complexo da Penha, ele afirmou que o diploma abriu oportunidades profissionais e acadêmicas inacessíveis a colegas de infância. Gomes defende a eliminação do critério socioeconômico para ingresso por cotas, alegando que o limite de renda de R$ 2.277 por pessoa exclui graduados que desejam continuar na pós-graduação.

Números e impacto da iniciativa

Desde 2003, cerca de 32 mil estudantes entraram na Uerj pelas cotas, segundo dados da própria instituição. O modelo cruza autodeclaração racial com condições socioeconômicas, estratégia que difere da adotada em universidades federais. A lei estadual 8.121/2018 reserva 20% das vagas a candidatos negros, indígenas e quilombolas e outros 20% a egressos da rede pública. O texto também autoriza o acúmulo de bolsas, como a de iniciação científica, medida considerada vital para a permanência dos alunos.

Estudos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as cotas contribuíram para reduzir a diferença de escolaridade no ensino superior. Em 2022, 11,7% dos pretos e 12,3% dos pardos possuíam diploma universitário, índices ainda distantes dos 25,8% verificados entre brancos, mas superiores aos registrados antes da adoção das ações afirmativas.

Próximos desafios e revisão prevista para 2028

Com a nova revisão legislativa agendada para 2028, a Uerj iniciou a coleta sistemática de informações sobre a trajetória profissional de ex-cotistas. A intenção é fundamentar eventuais mudanças e apresentar dados consolidados ao poder público. Entre as discussões, ganham força a ampliação do teto de renda ou mesmo a retirada desse requisito, sobretudo na pós-graduação, onde o valor atual é considerado insuficiente.

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Imagem: Educação Digital

Outra frente mencionada pelos egressos é reduzir a burocracia para comprovar a renda familiar e fortalecer cursos preparatórios gratuitos. Henrique Silveira lembrou que frequentou um pré-vestibular popular e, mais tarde, ajudou a financiar iniciativas semelhantes. Ele avaliou que esses projetos funcionam como porta de entrada e primeira conscientização sobre o direito às cotas.

Percepção acadêmica e desempenho dos estudantes

No início da implementação, a política enfrentou críticas sobre o possível impacto na qualidade de ensino. Pesquisas comparativas realizadas pela Uerj ao longo das duas últimas décadas indicaram, porém, desempenho semelhante entre cotistas e não cotistas, tanto em notas quanto em taxas de conclusão. Esses dados têm sido apresentados como argumento para a manutenção do sistema.

Internamente, docentes e direção relatam que a presença de alunos de diferentes origens enriquece o ambiente acadêmico e amplia temas de pesquisa relacionados a desigualdade, saúde pública e direitos humanos. Esse aspecto foi destacado durante o encontro de egressos, que apontou a necessidade de divulgar resultados acadêmicos e profissionais para a sociedade.

Agenda de debates

A universidade planeia promover novas reuniões com especialistas, estudantes atuais e representantes de movimentos sociais até 2026. A meta é elaborar um relatório preliminar com propostas de aperfeiçoamento antes da revisão oficial. Para o reitorado, a discussão em tempo hábil evitará incertezas e garantirá transição transparente, mantendo o compromisso de acesso inclusivo ao ensino superior.

Enquanto o debate avança, relatos de mobilidade social como os de Henrique, Maiara e David reforçam o argumento de que as cotas podem alterar trajetórias individuais e beneficiar comunidades inteiras. A Uerj, pioneira no país, busca agora ajustar a política para a próxima década, equilibrando critérios de justiça social, desempenho acadêmico e sustentabilidade financeira.

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