Publicações nas redes sociais têm oferecido a estudantes que contrataram o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) até 2017 a chance de zerar os juros e ainda receber de volta parte dos valores já pagos. A proposta, divulgada principalmente por perfis de advogados, esbarra num precedente judicial que dificulta a adoção desse benefício e pode gerar novos custos para quem ingressar com ações.
O que os vídeos prometem
As mensagens sustentam duas teses: revisão judicial dos contratos assinados até 2017 para aplicação de taxa de juros zero e restituição de até 40% dos valores quitados a título de juros. O argumento se baseia nas regras adotadas a partir de 2018, quando o Novo Fies passou a prever financiamento sem juros nominais, mas corrigido pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Nos vídeos, termos como “retroatividade”, “taxas abusivas” e “princípio da isonomia” são usados para defender que estudantes antigos deveriam ter direito às mesmas condições dos novos contratos. Perfis que divulgam o serviço apresentam prazos curtos e linguagem alarmista para estimular a contratação do suporte jurídico.
Precedente da Justiça e posição da AGU
Em setembro, a Turma Nacional de Uniformização da Justiça Federal (TNU) acatou argumento da Advocacia-Geral da União (AGU) que derrubou a aplicação retroativa da taxa de juros zero aos contratos firmados até 2017. A decisão continua válida e serve de referência para processos semelhantes em todo o país.
Segundo a AGU, reconhecer a retroatividade causaria impacto fiscal superior a R$ 90 mil milhões e comprometeria a continuidade do programa. O órgão também destacou que, embora o Novo Fies utilize juros nominais zero, a correção pelo IPCA pode, em períodos de inflação alta, superar as taxas cobradas nos contratos anteriores.
Henrique Silveira, sócio do escritório Mattos Filho especializado em educação, explica que a posição favorável à União endurece o caminho para decisões pró-estudantes. A tese ainda pode ser discutida em novas ações fora dos juizados especiais, mas quem perder poderá ter de arcar com honorários de sucumbência de até 20% sobre o valor da causa, além das custas processuais.
Alterações no programa desde 2018
O Novo Fies entrou em vigor em 2018 com o objetivo de reduzir a inadimplência. A principal mudança foi a eliminação da taxa de juros anual, que, até então, variava de 3,4% a 6,5%. Em substituição, passou-se a aplicar correção monetária pelo IPCA. À época, o governo federal afirmava que a medida tornaria o financiamento mais sustentável e atrativo.
Antes dessa reformulação, o programa já havia passado por ajustes para conter o avanço dos custos públicos. Mesmo assim, dezenas de milhares de contratos ficaram inadimplentes, o que levou à criação de iniciativas de renegociação em anos seguintes.
Imagem: Internet
Renegociação de dívidas continua aberta
Em 2022, o governo lançou condições especiais para que estudantes que contrataram o Fies até 2017 renegociassem prestações em atraso. Os descontos poderiam chegar a 92%, dependendo do perfil do devedor. Após a boa adesão, novas etapas foram abertas, com o prazo atual de renegociação estendido até 31 de dezembro de 2026.
Hoje, podem renegociar dívidas tanto beneficiários de contratos antigos quanto de contratos celebrados a partir de 2018. A adesão é feita junto aos bancos que operam o Fies, mediante apresentação de documentos e assinatura de novo cronograma de pagamentos.
Riscos para quem ingressa na Justiça
Especialistas alertam que a busca por revisão contratual para zerar juros ou obter devolução de valores deve considerar:
- Precedente desfavorável da TNU, que reduz chances de vitória;
- Possibilidade de honorários de sucumbência de até 20% do valor da causa;
- Custas processuais e despesas com perícias, se exigidas pelo juiz;
- Demora na tramitação, mesmo em caso de decisão final favorável.
Henrique Silveira observa que somente estudantes com direito à gratuidade da Justiça ficam isentos dos honorários em caso de derrota. Para os demais, a conta pode aumentar, agravando a situação financeira.
Orientações práticas ao estudante
Diante do cenário, especialistas recomendam cautela. Quem aderiu ao Fies até 2017 pode:
- Buscar informações oficiais no Ministério da Educação, bancos operadores ou Caixa;
- Avaliar a possibilidade de renegociação direta das parcelas em atraso, aproveitando os descontos vigentes até 2026;
- Consultar um advogado de confiança para entender custos e probabilidade de êxito antes de ingressar com ação.
Enquanto não houver mudança no entendimento judicial, a estratégia de zerar juros por meio de processos individuais permanece incerta e potencialmente onerosa para o estudante.





