Violência e censura atingem 9 em cada 10 docentes brasileiros, revela levantamento

Nove em cada dez profissionais da educação básica e superior, nos setores público e privado, já sofreram ou presenciaram casos de perseguição e censura dentro do ambiente escolar em todo o país. O dado consta da pesquisa “A violência contra educadoras/es como ameaça à educação democrática”, conduzida pelo Observatório Nacional da Violência Contra Educadoras/es (ONVE), ligado à Universidade Federal Fluminense (UFF), em parceria com o Ministério da Educação (MEC).

Alcance nacional e principais números

O estudo ouviu 3.012 docentes de todas as regiões e aponta que a censura deixou de ser episódica para tornar-se um fenômeno disseminado. Entre os participantes, 61% dos professores da educação básica e 55% do ensino superior relataram ter sido vítimas diretas. Considerando também os que testemunharam episódios, o índice chega a 90%.

As formas mais comuns de violência incluem tentativas de intimidação (58%), questionamentos agressivos sobre métodos de ensino (41%) e proibições explícitas de conteúdo (35%). Consequências laborais também foram registradas: 12% citaram transferência forçada, 11% remoção de cargo, 6% demissão e 2% suspensão. Agressões verbais atingem 25% dos entrevistados e agressões físicas, 10%.

Temas mais censurados e agentes envolvidos

Questões políticas lideram os motivos de perseguição, mencionadas por 73% dos docentes. Em seguida aparecem gênero e sexualidade (53%), religião (48%) e negação de fundamentos científicos, como a teoria da evolução ou a vacinação (41%).

A pesquisa identificou a própria comunidade escolar como principal origem das pressões: profissionais da área pedagógica respondem por 57% dos casos, familiares dos estudantes por 44%, alunos por 34% e colegas docentes por 27%. Administração interna (26%), funcionários (24%) e órgãos gestores externos (21%) também figuram entre os responsáveis.

Evolução ao longo do tempo

Os relatos de violência cresceram a partir de 2010 e apresentaram picos em 2016, 2018 e 2022 — anos marcados por acirramento político nacional. Para o coordenador do levantamento, professor Fernando Penna, esse movimento indica relação direta entre polarização e ataques à liberdade de ensinar.

Consequências para o exercício da profissão

O impacto sobre a vida dos educadores é elevado: 33% classificam a situação como extremamente prejudicial e 39% como bastante prejudicial tanto no âmbito profissional quanto pessoal. Cerca de 45% afirmam sentir-se constantemente vigiados, fator que leva à autocensura e à desistência de abordar determinados assuntos em aula. Um em cada cinco professores mudou de local de trabalho por iniciativa própria para fugir de ameaças.

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Imagem: Educação

A frequência das agressões também chama atenção. Entre os que sofreram perseguição, 49% relatam ter passado por quatro ou mais episódios semelhantes. Esse cenário contribui para o chamado “apagão de professores”, quando profissionais optam por deixar a carreira.

Distribuição regional

O problema aparece em todo o território nacional, com 93% dos participantes relatando algum tipo de censura (direta ou indireta). Sudeste e Sul concentram os maiores índices de ocorrência direta, segundo o estudo, mas nenhuma região ficou abaixo de 50%.

Próximos passos e políticas públicas

O ONVE prepara novas etapas de investigação, incluindo entrevistas qualitativas com 20 docentes selecionados, para aprofundar a compreensão dos contextos de violência. O relatório inicial recomenda a criação de uma política nacional de enfrentamento, proposta que já está em discussão no MEC e no Ministério dos Direitos Humanos. Entre as sugestões está o reconhecimento formal de professores como defensores de direitos humanos, condição que facilitaria mecanismos de proteção e canais de denúncia.

De acordo com Fernando Penna, o avanço dessas medidas é essencial para garantir a liberdade de ensinar e de aprender, pilares previstos na legislação brasileira e ameaçados pelo atual clima de censura nas instituições de ensino.

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